sábado, 11 de dezembro de 2010

A teia de Orides Fontela

No julgamento do poeta russo Joseph Brodsky, o juiz lhe perguntou qual era o seu trabalho real, e ele respondeu que era poeta e tradutor de poesia. “Quem reconheceu o senhor como poeta e lhe deu um lugar entre eles?”, perguntou o juiz. E ele respondeu: “Ninguém. E quem me deu um lugar entre a raça humana?”. Brodsky foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados, numa fazenda estatal de Arcangel, na função de carregador de estrume. Ele tinha 24 anos.

No programa do Jô Soares, a poeta paulista Orides Fontela (1940-1998) declarou: “Eu estou mal por causa do problema social, da proletarização total. Eu poderia trabalhar até como faxineira. O problema é que sou péssima dona-de-casa, só sei mesmo escrever poesia, e disso não se vive no Brasil.

Os poetas têm sempre um quê de inadaptação ao mundo, e Orides não fugia à regra, tanto que tentou suicídio várias vezes e acabou morrendo isolada num sanatório. De fato, a idéia de autodestruição e morte estiveram presentes na sua obra, mas sabe-se que ela era muito zelosa com o seu trabalho poético, ao contrário do desleixo com que tratava a própria saúde.

Alguns críticos afirmam que Orides morreu na miséria não só por causa de sua origem pobre e pelas dificuldades que encontrou durante a sua vida solitária. Ela era, essencialmente, uma pessoa difícil, de personalidade muito forte. O escritor Donizete Galvão declarou sobre essa contradição: “Mesmo em vida, Fontela teve um reconhecimento crítico considerável. Seu talento nunca foi negado. Há uma tendência para fazer de Fontela uma vítima da sociedade. Muitos querem compará-la a Cruz e Souza ou Lima Barreto. Ela mesma em uma entrevista disse que era a poeta mais pobre do Brasil.”

Orides de Lourdes Teixeira Fontela nasceu em 21 de abril de 1940, em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Filha de Álvaro Fontela, operário, e de Laurinda Teixeira Fontela, aos 16 anos publicou seus primeiros poemas em O Município, periódico de sua cidade natal. Em 1967 teve dois poemas publicados no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo. Seu primeiro livro de poesia Transposição, foi lançado em 1969, época em que cursava Filosofia na Usp.

Seguiram-se Helianto (1973), Alba, (1983), com o qual recebeu o prêmio Jabuti de poesia, concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), Rosácea (1986), Trevo, que é a obra completa reunida até então, (1988), e Teia, com o qual recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1996. Na França, os poemas foram publicados em dois volumes, com o título Trèfle. Teve influências da poesia de Baudelaire, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Fernando Pessoa, Mallarmé e conviveu com Antonio Candido, Augusto Massi, Davi Arrigucci Jr. e Roswitha Kempf. Foi professora primária e bibliotecária.

O crítico Antonio Candido assim definiu a obra da autora, de tendências contemporâneas: “Orides Fontela tem um dos dons essenciais da modernidade: dizer densamente muita coisa por meio de poucas, quase nenhumas palavras, organizadas numa sintaxe que parece fechar a comunicação, mas na verdade multiplica as suas possibilidades. Denso, breve, fulgurante, o seu verso é rico e quase inesgotável, convidando o leitor a voltar diversas vezes, a procurar novas dimensões e várias possibilidades de sentido. Estes poemas podem parecer às vezes malabarismo, mas é fácil ver que o jogo das palavras ou o aparente truque sintático correspondem, pelo contrário, a uma mensagem atuante. O que pode parecer acessório é de fato essencial. O leitor tem várias entradas possíveis para este fascinante universo. Quero indicar apenas uma, e de relance: a que verifica a presença da inquietação poética, da interrogação que se traduz em tentativa de correlacionar da maneira mais funda possível o silêncio e a palavra, a ausência e a presença, o momento do inexpresso, onde tudo parece mais rico, porque é pura virtualidade, e o momento da expressão, quando o discurso se constitui e o poeta corre o risco de não ter dito o que era preciso.


Teia

A teia, não
mágica
mas arma, armadilha

a teia, não
morta
mas sensitiva, vivente

a teia, não
arte
mas trabalho, tensa

a teia, não
virgem
mas intensamente
----------- prenhe:

no
centro
a aranha espera.

Fonte: Artefato Cultural.

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